Dom José D’Ângelo, em 1977, faz homenagem ao Padre Alderigi

No dia 9 de outubro de 1977, o jornal Semana Religiosa, órgão oficial da arquidiocese de Pouso Alegre, trouxe uma bela homenagem escrita pelo arcebispo na época, dom José D’Ângelo Neto. No texto, o arcebispo faz uma apresentação do Servo de Deus, com detalhes e muita simplicidade.
No texto, padre Alderigi é chamado como o homem de Deus, homem da Igreja, homem dos pobres e homem do confessionário. Por muitas vezes, dom José também o proclama como “Santo”.
Vamos conhecer um pouco mais sobre o Servo de Deus pelas palavras de dom José?
“Entregamos a Deus, no dia 3 de outubro, às 23h30, o presente que ele dera à humanidade no dia 13 de novembro de 1895 e à sua Igreja que está em Pouso Alegre, como sacerdote, no dia 18 de novembro de 1920: Monsenhor Alderigi Maria Torriani.
Entregamos-Lhe porque nos pedira, porque mais do que ninguém tinha direito sobre ele, porque Lhe pertencia mais do que a nós. De outro modo, gastaríamos de tê-lo sempre presente entre nós, para continuar a ver nele, em sua bondade de Deus Pai, que através dele sempre nos convidou também à bondade, à simplicidade, à santidade. Depois de 57 anos de sacerdócio, 50 de pároco em Santa Rita de Caldas, vividos plenamente para Deus e para seu povo, deixando-nos um exemplo admirável de vida sacerdotal, partiu para a morada definitiva para continuar, agora na contemplação beatífica, o que tão bem soube fazer na terra, no meio de seus ingentes trabalhos paroquiais, rezar, rezar, rezar.
Esta breve notícia que queremos dar nestas linhas, escritas às pressas, é uma pequena homenagem que lhe prestamos neste momento em que choramos sua partida. É, também, uma pálida lembrança do que foi a rica personalidade deste sacerdote, que não tinha apenas uma semelhança física com o Papa João XXIII, mas se parecia muito com ele pela simplicidade, pela bondade, por aquele sorriso fascinante que fazia tantos admiradores, tantos amigos. Dele eu disse o que já dissera de seu colega de ordenação – Monsenhor Joaquim Noronha – quando de sua morte. Sempre quis ser sacerdote e não quis ser outra coisa senão sacerdote, e o foi de modo admirável, como deve ser um santo sacerdote, inteiramente consagrado a Deus e ao serviço de seus irmãos e à salvação da humanidade.
E assim foi um VERDADEIRO HOMEM DE DEUS.
Sua vida foi inteiramente devotada a Ele. Em todo os seus atos, os mais simples, procurou sempre conhecer a vontade do Pai. Basta lembrar, aqui, que foi sempre um HOMEM DE ORAÇÃO. Pode-se dizer, sem exagero, que chegou a cumprir literalmente o que Jesus recomendou: ‘É preciso rezar sempre e nunca deixar de rezar’ (Lc 18,1).
Adquiriu o hábito da oração, daquela oração que São Gregório de Nossa definiu ‘conversativo sermocinatioque cum Deu est’, pois sentia-se que vivia sempre na presença de Deus, com quem espontaneamente falava em fervorosas jaculatórias. Tinha sempre seu terço nas mãos, principalmente agora, que tinha de permanecer longas horas na sua cadeira ou no seu leito. A obediência que prestava a seu Deus era verdadeiramente extraordinária, a julgar pela obediência filial e até escrupulosa que prestava a seu bispo.
Foi um HOMEM DA IGREJA.
Para não alongar, lembraria apenas que a preocupação que tinha por conhecer todas as determinações do Magistério e prescrições diocesanas. O esforço que fazia para adaptar às necessidades pastorais de hoje, para conhecer o espírito e as orientações do Concílio Vaticano II. Sua participação nos diversos encontros promovidos para a atualização do clero. A aceitação de todos os movimentos que surgiram nestes últimos tempos e que ele fazia questão de levar logo a seus paroquianos, ainda que pudesse sentir dificuldades em acompanhá-los. Superava estas dificuldades de um modo admirável e edificante para os sacerdotes mais jovens.
Foi um HOMEM DOS POBRES.
Não possuía nada na vida. Ele mesmo dizia, em sua última enfermidade, sem perceber que proclamava uma grande virtude, pois falava mais para ressaltar a bondade de Deus e dos outros. ‘Tive sempre minhas mãos abertas para todos, nada retendo para mim, e agora Deus e os homens abriram suas mãos para mim com tal generosidade, que nada me falta e tenho o que nunca tive na vida. Estou muito’, fazendo alusão a uma pequena quantia que lhe sobrou nas mãos, dos proventos da aposentadoria de velho. Tinha uma alegria e um prazer imenso em dar aos que nada tinham, aos que batiam à sua porta pedindo pão, remédio, roupa. Foi mesmo muito explorado por causa de sua bondade. O importante, porém, é ressaltar aqui que sua amizade aos pobres foi uma consequência do seu amor a Deus, a Cristo, que ele sempre viu em cada um que se encontrou com ele, em qualquer circunstância. Por isso, era impressionante o respeito que tinha pela fama dos outros. Nunca falava de alguém. Tinha mesmo o costume de fazer esta recomendação aos que o procuravam para receber bênçãos: ‘Não fale mal dos outros’.
Foi o HOMEM DO CONFESSIONÁRIO.
Verdadeiro Cura D’Ars, passava horas intermináveis em atender seus paroquianos e os numerosos romeiros de seu santuário. Chegava a não tomar a refeição para que pudesse ficar à disposição dos penitentes. Substituia frequentemente seu almoço por uma fruta e um pedaço de queijo, que comia ali mesmo, no confessionário, para que o tempo não escasseasse para o ministério. Homem carismático, procurado insistentemente para dar bênçãos, exigias antes da bênção a confissão.
Agora, no hospital, aflorava de seu subconsciente esta preocupação com o ministério de confessar e a muitos que o visitavam perguntava: ‘Já fez sua Páscoa? Já se confessou?’.Aconteceu, por isso, um fato pitoresco, em um dia em que estava sonolento, sob efeito de medicamento. Estava com ele, para uma visita amiga, seu velho professor, padre Marino, de 92 anos de idade, que, assentando-se ao seu lado, foi surpreendido com a mesma pergunta: ‘O senhor já fez sua Páscoa? Precisa se confessar’. Ele mesmo, o grande confessor, foi sempre um assíduo e humilde penitente. Disse-me o padre Braz, o jovem sacerdote que lhe sucedeu na paróquia, que a cada oito dias se confessava.
Esta sua humildade não era só diante de seu Deus. Costumava, anualmente, escrever-me no fim de dezembro e assim fazia o Chanceler do Arcebispo, para agradecer os favores que julgava ter recebido da gente, e acrescentava, invariavelmente, em suas cartas a mim, que lhe perdoasse todas as faltas que pudesse ter tido durante aquele ano, em seu relacionamento com o bispo.

Não comporta, nesta rápida notícia um perfeito necrológico. Eu quero apenas registrar no momento nossa grande tristeza pela sua morte (do Padre Alderigi), e nossa imensa gratidão pelo que ele foi para nossa arquidiocese, para nosso clero e, particularmente, para mim. Não o esqueceremos. Sabemos que o perdemos aqui para ganhá-lo como intercessor junto a Deus. Sua vida foi coroada por uma morte santa. Quis Deus enriquece-lo de méritos numa vida longa e dolorosa enfermidade, que ele mesmo desejou e chegou mesmo pedir para que se assemelhasse mais a Cristo Sacerdote.
Durante estes últimos dias, quando suas dores transpareciam nas contratações da face, dizia que não tinha dores e, sem se queixar nem uma vez sequer, rezava e nos pedia que rezássemos para que não perdesse a paz do espírito.
Deus, que sempre foi de uma prodigalidade imensa para com seu servo, quis lhe satisfazer delicadamente a seu desejo. Repentinamente lhe concedeu tal melhora em seu estado, que o médico lhe concedeu alta e permitiu sua volta para sua querida e pobre casa paroquial. Saudou a notícia batendo palmas e festejou seu regresso com amigos, que logo acorreram à sua casa, na tarde de segunda-feira. Jantou bem, tomou meio copo de cerveja. Às 22h aceitou um pedaço de fruta que lhe ofereceram. E assim, às 23h30, tranquila, serenamente, como sempre foi sua vida, cercado do carinho e das lágrimas dos seus filhos espirituais, partiu definitivamente para a casa do Pai.
Seu sepultamento, no dia 4, depois da Celebração Eucarística, da qual participaram conosco 40 sacerdotes, foi uma verdadeira consagração de um santo. Presentes 90 padres, muitas religiosas – muitos destes e destas foram frutos de seu sacerdócio – nossos seminaristas, uma multidão de mais de 10 mil pessoas, levado aos ombros pelo povo que ele tanto amou e serviu, foi nosso saudoso Monsenhor Alderigi sepultado na capela do cemitério paroquial de Santa Rita de Caldas. Um impressionante e piedoso silêncio acompanhou todas as cerimônias, exprimindo de um modo extraordinário aquele sentimento que estava dentro de cada um de nós – estamos diante de um santo.
Deus o tenha nos céus, como nosso intercessor, e nos dê novos presentes como ESTE que ELE nos deu há 82 anos para o mundo ficar melhor e fê-lo seu sacerdote, para a Igreja cumprir melhor sua missão.
Nós vô-lo entregamos porque vós nô-lo pedistes: porque ele era mais vosso do que nosso. E porque vô-lo damos, pedindo que. nos deis muitos outros sacerdotes como ele”.
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